Quando Valdir Florindo, Desembargador Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) e presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, publicou um editorial no portal Migalhas, ele deixou claro que a falta de um ministro com experiência trabalhista no Supremo Tribunal Federal está comprometendo a capacidade da Corte de lidar com as rápidas transformações do mundo do trabalho.
Nos últimos dois anos, a economia brasileira tem sido remodelada por três forças simultâneas: a automação nas linhas de produção, as exigências de adaptação às mudanças climáticas e a explosão de plataformas digitais que redefinem quem são os empregados e quem são os empregadores. Dados do IBGE apontam que, entre 2022 e 2024, a taxa de trabalhadores informais subiu 1,8 ponto percentual, enquanto a participação de profissionais em atividade independente aumentou 3,2%. O que antes era assunto de laboratórios de pesquisa hoje aparece nas rotinas dos agricultores de Mato Grosso, dos motoristas de aplicativo em Rio de Janeiro e das professoras de escolas públicas em Recife.
O próprio texto de Florindo descreve esse panorama como "um período de transformações profundas, em que economia, trabalho e instituições são redesenhados por forças que ultrapassam fronteiras". Essa frase, embora literária, resume o que muita gente sente: o futuro do emprego já está acontecendo, e ainda não há um árbitro constitucional preparado para traduzir essa realidade em decisões sólidas.
O desembargador estrutura seu pedido em três pilares. Primeiro, defende que a especialização jurídica traz equilíbrio nas deliberações do STF, evitando decisões que ignorem nuances do direito laboral. Segundo, argumenta que a experiência prática – fosse no trato com sindicatos, com processos de terceirização ou com litígios envolvendo algoritmo de avaliação – é imprescindível para interpretar leis à luz das novas relações de produção. Por fim, ressalta que a presença de um ministro trabalhista pode atuar como um freio contra a judicialização excessiva de questões que demandam políticas públicas coordenadas.
"O Direito do Trabalho surgiu da necessidade de dar forma justa ao desenvolvimento", escreveu Florindo, acrescentando que "nenhuma sociedade prospera de modo duradouro sem valorizar cada pessoa pelo que faz". Ele cita, ainda, casos recentes em que decisões da Suprema Corte sobre terceirização e proteção de dados pessoais ficaram aquém das demandas dos trabalhadores, gerando insegurança jurídica.
O editorial gerou rápido debate entre acadêmicos, advogados e representantes sindicais. A professora de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo, Mariana Lopes, elogiou a proposta, afirmando que "a Corte tem sede de princípios, mas carece de interlocutores que vivam o cotidiano da relação de trabalho".
Por outro lado, o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Roberto Gouvêa
", alertou que "a designação de um ministro exclusivamente técnico pode criar um viés que prejudique a livre iniciativa". Ele sugeriu, em vez de reserva de vaga, a criação de comissões consultivas permanentes.Entre os trabalhadores, a federação dos motoristas de aplicativo organizou uma manifestação em São Paulo na última sexta‑feira, reivindicando não apenas melhores condições de contrato, mas também que a pauta trabalhista seja representada na mais alta instância judicial.
Se o presidente da República decidir indicar um jurista com trajetória consolidada no Direito do Trabalho, a disputa política no Senado pode ficar ainda mais acirrada. Os senadores do PL, tradicionalmente mais conservadores, já manifestaram resistência a indicações que consideram "interferência setorial". Já o bloco progressista tem usado o debate como arma para pressionar o Executivo a ampliar a representatividade no próprio Conselho Nacional de Justiça.
Um ministro com esse perfil poderia, por exemplo, influenciar casos em andamento sobre a constitucionalidade da Lei Geral de Proteção de Dados quando aplicada à coleta de informações de trabalhadores de plataformas, ou ainda sobre a extensão de direitos previdenciários a freelancers que ainda não se enquadram no regime de contribuição obrigatório.
O próximo passo imediato é a tramitação da indicação no Supremo Tribunal Federal, onde a comissão de indicações analisará o currículo do candidato. Enquanto isso, a Academia Brasileira de Direito do Trabalho prepara um relatório técnico que será entregue ao presidente da República até o final de novembro, delineando quais competências específicas um ministro trabalhista deveria ter.
Independentemente do resultado, o que ficou claro é que a discussão ultrapassa a simples questão de cargos. Ela abre espaço para que o país reflita sobre como adaptar suas instituições a um futuro onde o conceito de emprego será cada vez mais fluido, híbrido e digital.
Um ministro com experiência direta em relações de trabalho traz à Corte uma visão prática dos efeitos das normas. Isso pode levar a interpretações que considerem, por exemplo, a realidade dos contratos de plataformas digitais, evitando decisões que prejudiquem trabalhadores informais ou que criem insegurança jurídica para empresas.
Os sindicatos acreditam que o STF precisa de um "guardião" das garantias trabalhistas na era da automação. Eles apontam que, sem essa presença, decisões importantes podem ignorar a vulnerabilidade dos trabalhadores frente a tecnologias emergentes.
Sim. O Executivo ainda não confirmou quem será o candidato, e a oposição no Congresso tem usado o tema para pressionar por maior equilíbrio ideológico no STF, temendo que a escolha favoreça um viés específico.
Além dos trabalhadores de aplicativo e dos freelancers criativos, o agronegócio preocupa‑se com a regulação das cadeias produtivas sustentáveis, e o setor industrial tem dúvidas sobre como a automação deve se conciliar com a legislação de segurança e saúde do trabalhador.
O documento técnico, que detalha competências e sugestões de perfil, deve ser entregue ao presidente da República até 30 de novembro de 2025, conforme comunicado oficial da instituição.
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