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Câmara aprova Projeto Antifacção com 370 votos; texto endurece penas para facções

Câmara aprova Projeto Antifacção com 370 votos; texto endurece penas para facções

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2025, o Projeto de Lei 5582/2025, conhecido como Projeto Antifacção, por 370 votos a favor, 110 contrários e 3 abstenções — uma vitória esmagadora que sinaliza uma mudança radical na forma como o Brasil enfrenta o crime organizado. A sessão, que começou às 13h55 no Plenário da Câmara, em Brasília, terminou às 21h41, com o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), declarando que era "a resposta mais dura da história da Câmara no enfrentamento ao crime organizado". O texto, originalmente proposto pelo governo Lula, foi completamente reescrito pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP), que apresentou cinco versões em menos de uma semana. A aprovação não foi consensual — e isso é o que torna o resultado ainda mais significativo.

Um novo crime, uma nova punição

O substitutivo aprovado cria uma figura penal inédita: o "domínio social estruturado". É assim que o texto define a atuação de facções criminosas que controlam territórios, impõem regras, cobram "taxas" e intimidam populações inteiras — como acontece em favelas, periferias e até em regiões rurais do Norte e Nordeste. A pena? De 20 a 40 anos de reclusão. Quem ajudar, proteger ou financiar esse domínio — seja um empresário, político local ou até um funcionário público — pode pegar de 12 a 20 anos. É uma mudança brutal. Até agora, a legislação tratava os crimes isolados: tráfico, extorsão, homicídio. Agora, o próprio sistema de controle social criminoso vira alvo da justiça.

E não para por aí. O projeto permite a apreensão prévia de bens de investigados — sem precisar esperar o fim do processo. Se houver indícios fortes de que o patrimônio veio de atividades criminosas, a justiça pode bloquear imóveis, carros, contas bancárias e até empresas antes da condenação final. Isso já existia em casos de lavagem de dinheiro, mas agora se estende a qualquer membro de organização criminosa. "É como cortar a cabeça da serpente antes que ela ataque", disse Derrite no plenário. "Não podemos esperar que 10 pessoas morram para punir quem mandou matar."

Reação dividida: PT e PSOL rejeitam, oposição celebra

Surpreendentemente, os partidos que apoiam o governo Lula foram os mais críticos. Todos os 65 deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) presentes — e os 12 do PSOL — votaram contra. O líder da bancada governista, Lindbergh Farias (PT-RJ), foi claro: "O projeto original era um instrumento técnico, feito com especialistas da Polícia Federal. Este aqui é um balaço político. Desconfigurou o foco, descapitalizou a PF e transformou a luta contra o crime em um espetáculo de penas máximas."

Ele tem razão em um ponto: o texto original do governo previa investimentos em inteligência, monitoramento de comunicações e fortalecimento da PF. O substitutivo de Derrite cortou quase tudo isso. Não há menção a recursos novos, nem a planos de capacitação. Só penas. "É como dar um fuzil a um policial sem treinamento e dizer: vá combater o crime", comentou um ex-chefe da PF, que pediu anonimato.

Na outra ponta, a oposição celebrou. O Partido Liberal (PL) teve 80 votos a favor, apenas dois contrários. O União Brasil (54 a favor), o Partido Progressista (47 a favor) e os Republicanos (39 a favor) foram unânimes. O deputado Marcel Van Haten (Novo-RS) resumiu: "Não é partidarismo. É realismo. A população está cansada de ver facções mandando em cidades inteiras. A lei precisa responder com força, não com palavras."

Próxima batalha: o Senado e a promessa de recuperação

Próxima batalha: o Senado e a promessa de recuperação

Agora, o projeto vai para o Senado Federal, onde o relator será Alessandro Vieira (MDB-SE), que já liderou a CPI do Crime Organizado. A expectativa é que a análise comece nos próximos dias. Mas o jogo mudou. Enquanto a Câmara aprovou um texto punitivo, o Senado tem tradição de discutir com mais profundidade — e Vieira, conhecido por sua rigidez técnica, pode querer equilibrar a repressão com mecanismos de prevenção.

Lindbergh Farias já anunciou: "Vamos lutar para retomar o texto original. Não vamos deixar o combate ao crime virar um show de penas máximas sem recursos." O governo, porém, está em uma posição delicada. Se pressionar demais, corre o risco de perder apoio na Câmara. Se não pressionar, perde credibilidade com os eleitores que exigem ação.

O que muda na prática?

Além do "domínio social estruturado", o projeto prevê:

  • Gravação obrigatória de todas as reuniões entre presos e advogados
  • Proibição de visitas íntimas para condenados por crimes organizados
  • Transferência automática de chefes de facções para presídios federais — onde o controle é mais rígido
  • Perda de bens antes do trânsito em julgado, se houver prova indiciária robusta

Isso significa que, em poucos meses, um líder do PCC ou do CV pode ser transferido para um presídio federal, ter seu celular rastreado, sua conta bloqueada e seu carro apreendido — mesmo que ainda não tenha sido condenado. É um salto de escala. Mas será eficaz? Ainda não se sabe.

Por que isso importa?

Por que isso importa?

Porque o crime organizado no Brasil não é só um problema de polícia. É um problema de poder. Ele controla escolas, postos de saúde, eleições locais e até empresas de transporte. O projeto Antifacção, na forma aprovada, tenta derrubar esse poder com força bruta. Mas, sem investimento em inteligência, sem reforma prisional, sem programas de reinserção, pode acabar só empurrando o problema para dentro das celas — sem resolver a raiz.

Os números dizem tudo: em 2024, mais de 80% dos homicídios no Brasil estavam ligados a facções ou milícias. Em São Paulo, 70% das mortes em favelas envolvem conflitos entre grupos criminosos. A lei não vai acabar com isso sozinha. Mas pode ser o primeiro passo — se for bem aplicada.

Frequently Asked Questions

O que é "domínio social estruturado" e como ele é diferente de tráfico de drogas?

"Domínio social estruturado" é um novo conceito legal que define o controle territorial e social exercido por organizações criminosas — como impor regras, cobrar "proteção", controlar comércios e intimidar moradores. Diferente do tráfico, que é um crime específico, isso é um sistema de poder paralelo. A pena pode chegar a 40 anos, mesmo sem envolvimento direto em violência.

Por que o PT e o PSOL votaram contra, se são governistas?

Eles argumentam que o projeto original, elaborado com técnicos da Polícia Federal, focava em inteligência e prevenção. O substitutivo cortou esses pontos e só aumentou penas. Para eles, isso enfraquece a PF, que não recebe novos recursos, e transforma o combate ao crime em uma resposta punitiva, sem estratégia.

O que muda com a apreensão prévia de bens?

Agora, a justiça pode bloquear carros, imóveis e contas bancárias de investigados antes da condenação final — se houver indícios fortes de que os bens vêm do crime. Isso já existia em casos de lavagem, mas agora se estende a qualquer membro de facção. É um golpe direto na estrutura financeira das organizações criminosas.

O projeto vai realmente acabar com o poder das facções?

Não sozinho. A repressão é necessária, mas insuficiente. Facções crescem onde o Estado não chega: educação, saúde, segurança. Sem investimento nisso, a prisão de líderes só gera novos chefes. O sucesso dependerá da aplicação conjunta com políticas sociais — algo que o projeto não prevê.

Como será a tramitação no Senado?

O relator será o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que liderou a CPI do Crime Organizado. Ele tem reputação de rigor técnico e pode querer incluir mecanismos de prevenção, como monitoramento de comunicações e fortalecimento da PF. A expectativa é que o texto seja modificado — mas ainda assim aprovado, com ajustes.

Quais partidos tiveram a maior aprovação do projeto?

O PL liderou com 80 votos a favor, seguido pelo União Brasil (54), PP (47), Republicanos (39) e MDB (37). Todos esses partidos têm forte presença em estados com altos índices de violência. Já PT, PSOL, PCdoB e PV foram majoritariamente contrários, alinhados à crítica de que o texto é punitivo e sem estratégia.